Declaração Sobre o Futuro Do Cinema Falado



Declaração sobre o futuro do cinema sonoro escrita por Serguei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin e Grigori Aleksandrov, em 1928, um ano após o lançamento de O Cantor de Jazz, considerado o primeiro filme sonoro da historia do cinema.



O sonho do cinema sonoro se tornou uma realidade. Com a invenção do cinema sonoro, de fato, os norte-americanos se colocaram à frente para torná-lo rápida e substancialmente uma realidade. A Alemanha está trabalhando intensamente na mesma direção. Todo mundo está falando sobre a coisa muda que aprendeu a falar. 

Nós, que trabalhamos na URSS, estamos conscientes de que, com nosso potencial técnico, não vamos caminhar em direção à realização prática do cinema sonoro num futuro próximo. Ao mesmo tempo, consideramos oportuno afirmar várias premissas de princípio de natureza teórica, porque, por conta da invenção, parece que este avanço da cinematografia está sendo usado de modo incorreto. E com uma concepção errada com relação às potencialidades deste novo descobrimento técnico pode não apenas impedir o desenvolvimento e aperfeiçoamento do cinema como arte, mas também ameaça destruir todas as suas atuais conquistas formais. 

Atualmente o cinema, trabalhando com imagens visuais, tem um efeito poderoso sobre as pessoas e com todo direito assumiu um dos primeiros lugares entre as artes. Sabe-se que o meio básico (e único) que levou o cinema a adquirir uma força tão poderosamente emocional é a montagem. A confirmação da montagem como principal meio de causar efeito, se tornou um indiscutível axioma sobre o qual a cultura mundial do cinema foi construída. 

O sucesso dos filmes soviéticos na tela de todo o mundo se deve, de modo significativo, aos métodos de montagem que revelaram e consolidaram. Por isso, para o desenvolvimento futuro do cinema, momentos importantes serão apenas os que fortalecerem e ampliarem os métodos de montagem que afetam o espectador. Examinando cada novo descobrimento desse ponto de vista, é fácil mostrar a insignificância do filme colorido e estereoscópico em comparação com o amplo significado do SOM.

Gravação de som é uma invenção de dois gumes, e é mais provável que seu uso ocorrerá ao longo da linha da menor resistência, isto é, ao longo da linha da satisfação da simples curiosidade. Em primeiro lugar, haverá exploração comercial da mercadoria mais vendável, os filmes falados. Aqueles nos quais a gravação do som ocorrerá num nível naturalista, correspondendo exatamente ao movimento da tela, e proporcionando uma certa “ilusão” de pessoas que falam de objetos sonoros etc.

Um primeiro período de sensações não prejudica o desenvolvimento de uma nova arte, mas um segundo período é perigoso nesse caso, um segundo período que substituirá a virgindade e pureza efêmeras desta percepção inicial das novas possibilidades técnicas, e reivindicará um estágio de utilização automática por “dramas muito refinados” e outras reivindicações fotografadas de um gênero teatral.

Usar o som deste modo destruirá a cultura da montagem, porque cada adesão do som a uma peça de montagem visual aumenta sua inércia como uma peça de montagem, e aumenta a independência de seu significado – e isto sem dúvida ocorrerá em detrimento da montagem, agindo em primeiro lugar não sobre as peças de montagem, mas em sua justaposição.

Apenas um uso polifônico do som com relação à peça de montagem visual proporcionará uma nova potencialidade no desenvolvimento e aperfeiçoamento da montagem. O primeiro trabalho experimental com o som deve ter como direção a linha de sua distinta não-sincronização com as imagens visuais. E apenas uma investida deste tipo dará a palpabilidade necessária que mais tarde levará a criação de um contraponto orquestral das imagens visuais e sonoras.

Este novo descobrimento técnico não é um momento acidental da história do cinema, mas um caminho orgânico liberado de uma série completa de impasses que pareciam insuperáveis para a culta vanguarda cinematográfica.

O primeiro impasse é a legenda e todas as tentativas inúteis de ligá-la a composição da montagem, como uma peça da montagem (dividindo-a em frases e até em palavras, aumentando e diminuindo o tamanho do tipo usado, usando movimento de câmera, animação e assim por diante).

O segundo impasse são as peças explicativas (por exemplo, alguns primeiros planos intercalados) que prejudicam a composição da montagem e retardam o ritmo.

As tarefas do tema e história se tornam mais complexas a cada dia; tentativas de resolvê-las pelos métodos da montagem “visual” apenas, ou levam a problemas insolúveis ou obrigam ao diretor a recorrer a extravagantes estruturas de montagem, gerando a temível eventualidade de falta de significado e decadência reacionária.

O som, tratado como novo elemento da montagem (como um fator divorciado da imagem visual), inevitavelmente introduzirá novos meios de enorme poder para a expressão e solução das mais complicadas tarefas que agora nos pressionam ante a impossibilidade de superá-los através deum método cinematográfico imperfeito, que só trabalha com imagens visuais.

O método polifônico de construir o cinema sonoro não apenas não enfraquecerá o cinema internacional, mas fará com que seu significado tenha um poder sem precedentes e alcance e perfeição cultural.

Um método como este de construção do cinema sonoro não o confinará a um mercado nacional, como pode acontecer com a filmagem de peças, mas, dará uma possibilidade, maior do que nunca, à circulação, através do mundo, de uma ideia filmicamente expressada.

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