Entrevista Nelson Pereira Dos Santos - O Cinema é a Melhor Profissão do Mundo

 


Entrevista feita com Nelson Pereira Dos Santos em 2002 para Nuevo Cine Latinoamericano, conduzida por Manuel W. Zayas.



MANUEL W. ZAYAS: O quanto você aprecia hoje os filmes que que fizeram parte desse movimento(Cinema Novo)?

NELSON PEREIRA DOS SANTOS: Em retrospectiva, podemos entender melhor o que significou o Cinema Novo na história do cinema brasileiro. Para mim, foi um momento de descolonização cultural de nossa cinematografia. Essa foi a missão histórica do Cinema Novo e dos cineastas que participaram desse movimento. Não tenho certeza de que foi uma coisa organizada, um movimento pensado, mas foi uma orquestração de histórias pessoais, estéticas e culturais. O Cinema Novo realizou o que os escritores nordestinos já haviam feito antes, assim como pintores e músicos como Villa-lobos. Foi exatamente a ruptura com a cultura acadêmica importada. Eles cultivaram as raízes do Brasil e mostraram a face de seu verdadeiro habitante. 

O Cinema Novo era uma combinação do domínio da linguagem universal do cinema com o patrimônio cultural brasileiro. Na época, foi uma revolução. Mais tarde, nosso cinema herdou as principais características desse movimento, portanto, não há necessidade de enfatizar isso. não há necessidade de enfatizar isso. Hoje, o cinema brasileiro é múltiplo, variado, tem de tudo. Antes, havia a obrigação de fazer filmes contra o regime ditatorial, de fazer filmes que defendessem as liberdades democráticas e outros que denunciassem a injustiça social que estávamos vivendo. Tudo aconteceu de forma exploratória, todos nós fizemos os filmes que tínhamos todos nós fizemos os filmes que tínhamos dentro de nós.

MWZ: Para você, quais foram as influências que o Cinema Novo teve?

NPS: Na minha juventude, a única dieta era, obviamente, a de filmes americanos. A partir da década de 1940, foram exibidos filmes mexicanos e argentinos. O cinema brasileiro era então muito pequeno, cheio de comédias musicais. Depois da guerra, foi o neorrealismo: Rosellini, depois Visconti. Para a geração de Glauber, já era a nouvelle vague, que também envolvia o desejo de trabalhar com a realidade por meio de por meio de uma nova proposta de transformação da linguagem convencional em uma mais moderna e contemporânea. E como deve ter acontecido com todos os diretores do mundo, acho que um que foi muito influente foi Buñuel.

MWZ: Você aprendeu a fazer cinema fazendo cinema, em uma época em que parecia portas para jovens cineastas. Hoje, a aventura de fazer filmes parece impossível: você precisa de educação e, acima de tudo, precisa ter certas necessidades econômicas facilitadas. Qual é a situação do cinema brasileiro hoje? do cinema brasileiro hoje?

NPS: Agora estamos novamente em uma mudança devido a uma multiplicação na legislação cinematográfica.

Recentemente, foi criada uma agência dedicada a investimentos em filmes, que está subordinada ao Ministério da Indústria e Comércio. Outra parte permanece no Ministério da Cultura para todas as produções e pesquisas, para tudo que não se destina a ser comercial. Temos que ver se esse modelo vai funcionar. Até a década de 1990, havia cem por cento de paternalismo estatal na produção, distribuição e distribuição de filmes. paternalismo estatal de cem por cento na produção, distribuição e publicações especializadas.

Isso acabou de uma hora para outra. Depois, houve o apoio indireto do Estado. No próximo ano haverá uma divisão entre o cinema industrial e o cinema cultural. Estamos vivendo uma nova fase.

O cinema no Brasil não pode viver sem o apoio do Estado, é impossível. A produção cresceu de zero em 1991-92 para quarenta filmes em 2000, e cerca de trinta em 2001.


MWZ: Você acha que há espaço para jovens cineastas no Brasil?

NPS: O cinema brasileiro sempre foi historicamente historicamente aberto, embora não haja espaço suficiente para os jovens. Mas há muitas escolas e cursos para jovens. Para os veteranos, é um pouco mais difícil encontrar os recursos financeiros, porque a Lei do Audiovisual permite que o Ministério aprove o projeto e o cineasta tem de encontrar as empresas que queiram investir. Isso é feito naturalmente com intermediários. Os jovens, se não tiverem uma posição familiar, não conseguem isso com muita facilidade. Há veteranos que também não conseguem os recursos necessários.

É uma luta muito difícil para obter os recursos. Não é suficiente com a qualidade do roteiro ou da filmografia do diretor não é suficiente. Você tem que ter uma maneira de obter, de alcançar fontes de recursos. Propus em uma escola de cinema a criação de uma nova disciplina: As formas de decolar.

O grande problema é que nosso cinema não é lucrativo, não tem condições de obter lucro em seu próprio mercado, embora haja raríssimas exceções. O mercado não é do cinema brasileiro, mas é dominado pelo cinema norte-americano em salas de cinema, vídeo e televisão, onde não mais que uma dúzia filmes nacionais são exibidos.

MWZ: Qual foi a sua experiência como professor?

NPS: Em 1965, participei da criação da primeira escola de cinema na Universidade de Brasília. Gosto muito de passar a experiência que tive para os jovens; nunca tive interesse em impor ideias, mas em contar como eu fazia meus filmes. Essa escola não durou muito tempo porque era o início da ditadura e 200 professores da Universidade pediram demissão.

Em 1968, fundei outra escola na Universidade Federal Fluminense, que ainda está funcionando e é a maior produtora de filmes estudantis do Brasil. Agora há muitas outras escolas, porque a lei para a criação dessas instituições é mais aberta. Além disso, muitos jovens vão estudar no exterior. Costumo dizer que o cinema brasileiro está vivo porque tem muita vitalidade: a cada ano há mais e mais pessoas interessadas em estudar e fazer filmes. Essa é a melhor profissão do mundo e é para os jovens. Fazer cinema também significa mostrar o desejo de transformar as coisas. Somente os jovens têm esse desejo. É preciso encontrar um espaço diferente para observar a realidade com mais acuidade, romper com os pais, não importa de que ponto de vista: freudiano, social... É a juventude que tem esse impulso, por isso há a necessidade de mostrar qual sociedade é a mais justa.

Na história do cinema, houve muitos jovens prodígios: Orson Welles, Glauber Rocha, etc. Não quero dizer com isso que não há lugar para veteranos como eu. O importante é a vitalidade, que que as pessoas venham com novas ideias e não com preconceitos. Como o cinema no Brasil não é um grande negócio, mas é uma forma de pressionar a mídia para, com outra visão de mundo, mudar as coisas, sair do convencionalismo da televisão, das novelas, da publicidade. Com o cinema é possível encontrar um caminho para a liberdade. Quando um bom filme aparece, ele tem mais poder do que um canal de televisão, porque consegue se uma comunicação mais subjetiva e pessoal que muda vidas.

MWZ: Em Eu, tu, eles, Andrucha Waddington prestou homenagem a Vidas Secas e a Deus e o Diabo na terra do sol, com o surgimento do sertão, aquele ambiente selvagem onde também há vida. O que ele pensou quando foi citado por um jovem cineasta?

NPS: Esse é um filme muito bom. Ele tem uma combinação muito boa da realidade social brasileira do nordeste do Brasil, com o humanismo da vida, com o fato de não considerar as pessoas como derrotadas, porque os protagonistas são cheios de vitalidade. Em essência, o mesmo problema é colocado mesmo: os pobres continuam pobres, embora haja uma aparência de modernidade. Vidas Secas se passa na década de 40, Deus e o Diabo... na década de 30. A estrutura social é a mesma, o que muda é a aparência. O que muda é a aparência. Para contar uma história, você não pode sair de uma visão moderna. Estou satisfeito com ver que um jovem cineasta como Andrucha continua no mesmo caminho. Eu senti que há uma possibilidade de encontro, que uma trajetória histórica está sendo seguida. Nada é feito sozinho: tudo é uma soma de forças.

MWZ: Vidas secas, Memorias do Cárcere e Tenda dos Milagres são três de suas principais obras, e todas elas obras, e todas elas se baseiam em obras literárias: as duas primeiras das obras de Graciliano Ramos e a última de Jorge Amado. Que importância você atribui à literatura em sua experiência com esses três filmes?

NPS: Em todas as partes do mundo, a literatura é muito importante como um deposito de histórias, situações e personagens. No meu caso, trabalhei com esses escritores, que foram os que influenciaram minha mente desde que eu era muito jovem. Eles contavam o que estava acontecendo fora do meu cantinho de família e classe. Foram eles que abriram perspectivas para outras coisas. Com esses filmes Eu fiz uma espécie de retribuição com esses filmes. Antes de filmar Vidas Secas, fiz um documentário no nordeste. No verão de 1958, houve uma seca muito grande e fiquei horrorizado ao ver pessoas pobres morrendo de fome. Decidi fazer um filme sobre isso, para denunciar essa realidade. Comecei a escrever um roteiro. Tudo parecia tão falso, superficial. Eu tinha um livro para consultas chamado Vidas secas, que falava sobre como eram o homem e a mulher que viviam no sertão. Então percebi que o roteiro estava naquele livro. Em 1959, fui para o nordeste para fazer o filme, mas choveu e não consegui filmar. Em 1962, finalmente comecei a trabalhar no filme com a ideia do livro, porque eu queria fazer o filme no mesmo sentido. Vidas Secas é o produto da pesquisa de um escritor e da experiência de um escritor maravilhoso como Graciliano Ramos. Eu me preocupava muito com sua posição na vida, na política. Na vida, na política. É por isso que o filme tem essa força, que é a do livro.

Memorias do Cárcere também foram uma forma de denunciar a ditadura. A sociedade brasileira é a que produziu as ditaduras, foi a sociedade que resistiu à mudança e determinou o freio. O filme é uma metáfora da prisão da sociedade brasileira. As prisões são mais culturais do que reais. Por exemplo, a escravidão foi encerrada em 1888, mas as consequências ainda estão presentes em nossa sociedade hoje: hábitos e tradições são transmitidos e passadas adiante. O relacionamento com Jorge Amado era de longa data, desde a época de sua juventude e militância. Li seus livros durante a ditadura de Vargas, que circulavam de mão em mão, apesar de terem sido proibidos por sua posição política e também por sua família. Eu me interessava por tudo o que ele escrevia. As cenas de amor de Jorge eram muito engraçadas, em uma época em que tudo era proibido. Ele rompeu com a dificuldade de os jovens iniciarem a vida sexual de forma saudável. Jorge tem uma grande importância na formação da minha geração. Por isso, eu sempre pensei em fazer algo com seu trabalho. Em Tenda dos Milagres eu estava muito interessado em defesa da cultura africana e a denúncia social.

MWZ: Você já realizou mais de 40 documentários. Como considera sua experiência nesse campo?

NPS: Comecei a fazer documentários. O primeiro foi político, sobre a juventude em 1949, depois fiz um filme de ficção Rio, 40 graus, que tem inspiração documental: os personagens estão em cenários naturais. Fiz muitos filmes institucionais, porque eles me deram a chance de filmar e treinar, e também de conhecer o Brasil. Acho que sempre há um momento de documentário em meus filmes. Em Como era gostoso o meu francês tenho uma visão documental mais distanciada: a câmera tem uma visão de fora, como se eu estivesse filmando índios reais no século XVI. Em 2001, lancei quatro filmes para a televisão sobre Gilberto Freyre. Não sei se é um documentário, mas é uma combinação de tudo. Agora estou preparando um para julho de 2002, que é a biografia de outro autor que estudou a formação da sociedade brasileira: Sérgio Buarque, pai de Chico Buarque.

Ele escreveu um livro muito importante chamado Raízes do Brasil. Será  um documentário sobre sua vida e a extensão de sua vida aos filhos: ele era um homem muito especial, erudito: ele entendia de cinema, um cantor... Ele tinha uma visão muito clara, que era o fato de que em toda história sempre havia um personagem mudo, o povo brasileiro.

Terminei recentemente Meu Compadre Zé Ketti, sobre esse compositor de samba. As imagens de meus primeiros filmes (Rio, 40 graus e Rio, Zona Norte) são de Zé Ketti, eles são inspirados em sua vida.

MWZ: Barravento, o primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, foi abandonado por absoluto desespero de seu autor, segundo Carlos Diegues. Para ele, a contribuição da montagem foi decisiva para a conclusão do filme. O que você pode me dizer sobre ele?

NPS: Trabalhei como montador para Glauber. Mas acho que ele não estava desesperado, porque sabia o que queria, ele tinha tudo em sua cabeça. Eu aceitei esse trabalho porque o conhecia. Para mim foi bom fazer isso. Eu tinha experiência em como cortar, mas era Glauber quem decidia onde fazer foi o Glauber. Há muitas invenções, muitas histórias. Dizem que Glauber jogou tudo no lixo. Mas isso não é verdade.

MWZ: Depois de Memorias do Cárcere, você disse: "Eu não faço um filme atrás do outro, eu faço um ao lado do outro. Não se trata de superar o anterior, é outro espaço, outro campo de observação, interesse, afeto, amor.". Quais são quais são as principais preocupações que você enfrenta em cada filme?

NPS: Eu sempre penso em encontrar algo que me diga muito e que eu tenha uma enorme vontade de fazer. Filmar pelo simples fato de filmar eu não entendo. É por isso que não faço um filme há muitos anos. Há algum tempo, eu tinha um projeto sobre Castro Alves, um poeta do século XIX. Era uma espécie de biografia cinematográfica sobre o tempo que ele passou em São Paulo, na faculdade de direito que eu também frequentava. Eu queria filmar isso, mas se tornou um projeto muito caro, difícil. Transferi o filme para mais tarde, mas está se tornando cada vez mais impossível impossível de fazer.

MWZ: Agora vou mencionar títulos de sua filmografia e gostaria de saber o que eles representam para você hoje. Rio 40 Graus.

NPS: É um filme sobre juventude.

MWZ: Rio, Zona Norte. 

NPS: Um filme sobre a maturidade

MWZ: Mandacaru vermelho.

NPS: Uma experiência, um borrão. Um filme que eu gostaria de riscar de minha filmografia

MWZ: Boca de ouro.

NPS:  A primeira adaptação de uma obra literária de um grande autor: Nelson Rodrigues

MWZ: Vidas Secas.

NPS: Um projeto no qual eu vinha pensando há muitos anos e que finalmente realizei. Acho que aprendi a fazer filmes com Vidas Secas.

MWZ: Fome de Amor

NPS: É o oposto. É a ruína do cinema: uma ruptura com a linguagem, pensar em outra coisa em um momento limite em minha vida pessoal, profissional e na vida do Brasil.

MWZ: Azyllo muito louco.

NPS: Eu gosto muito, mas foi muito metafórico em sua comunicação.

MWZ: Como era gostoso o meu francês.

NPS: Ah! Eu gosto muito disso. Eu queria estar filmando todos os dias. Uma experiência muito forte, não só para mim, mas também para todos os que participaram. Sou muito grato por esse filme, assim como sou por Vidas Secas, que permaneceram como obras de arte que eu acho que alguém fez. Não fui eu. Alguém... Não sei quem.

MWZ: Quem é Beta?.

NPS: Existem apenas duas cópias no mundo. Uma está no Brasil completamente deteriorada e a outra na Cinemateca Francesa. Não consigo obter nenhuma.

MWZ: O amuleto de Ogum

NPS: É também um momento de mudança em minha cabeça diante da realidade. Embora eu estivesse trabalhando com as pessoas, eu não via a religiosidade delas. Quando fiz Rio, 40 Graus e Rio, Zona Norte eu vi as coisas da macumba, mas a câmera não viu. Minha esposa era antropóloga e estudava estudava as religiões populares. Entendi então que aquilo era parte da realidade. O mítico, essa é a ideia do filme.

MWZ: Tenda dos Milagres.

NPS: É a militância contra o preconceito. Uma dívida com Jorge Amado.

MWZ: Estrada da Vida.

NPS: Um filme sobre dois cantores populares. Quando fiz, fui muito criticado, porque no Brasil diziam que esse tipo de música dos cantores sertanejos era inferior.

MWZ: Memorias do Cárcere.

NPS: Acho que esse é o filme que mais me toca. É muito pessoal, é muito, digamos autobiográfico. Uma conjunção com o que aconteceu com Graciliano Ramos e o que eu vivi até então.

MWZ: Cinema de Lágrimas.

NPS: Foi uma homenagem ao cinema latino-americano. Foi uma encomenda do British Film Institute para o 100º aniversário do cinema, com uma visão inglesa porque para eles a América Latina é uma só. Como eu tinha liberdade para fazer o que quisesse, pensei em contar uma ficção em homenagem ao melodrama mexicano e argentino, porque esses foram os momentos em que o cinema tinha uma organização real no continente.

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